in: https://fundacaoantonioaleixo.com/antonio-aleixo/
O poeta António Aleixo, cauteleiro e
guardador de rebanhos, cantor popular de feira em feira, pelas redondezas de
Loulé, é um caso singular, bem digno de atenção de quantos se interessam pela
poesia.
Gentileza do pintor Luís Furtado,
por acasião do 13º aniversário da Fundação António Aleixo
Embora não totalmente analfabeto – sabe ler e tem lido
meia dúzia de bons livros – não é capaz, porem, de escrever com correcção e a
sua preparação intelectual não lhe dá certamente qualificação para poder ser
considerado um poeta culto.
Todavia, há nos versos que constituem
este livro uma correcção de linguagem e, sobretudo, uma expressão concisa e
original de uma amarga filosofia, aprendida na escola impiedosa da vida, que
não deixam de impressionar.
Além disso, o tom sentencioso da maior parte das quadras que se reuniram e o
facto de serem produto de uma espontaneidade, quase inacreditável para quem não
conheça pessoalmente o poeta, justificam suficientemente a tentativa de dar a
conhecer e de registar, em livro, uma inspiração raríssima, que seria injusto
não divulgar.
António Aleixo compõe e improvisa nas mais
diversas situações e oportunidades. Umas vezes cantando numa feira ou festa de
aldeia, outras a pedido de amigos que lhe beliscam a veia; ora aproveitando
traços caricaturais de pessoas conhecidas, ora sugestionando por uma conversa
de tom mais elevado e a cuja altura sobe facilmente. De todas as maneiras,
passeando, sozinho, a guardar umas cabras ou a fazer circular as cautelas de
lotaria – sua mais habitual ocupação – ou acompanhado por amigos, numa ceia ou
num café, o poeta está presente e alerta e lá vem a quadra ou sextilha a fixar
um pensamento, a finalizar uma discussão, a apreciar um dito ou a refinar uma
troça. E a forma é lapidar, o conceito incisivo e o vocabulário justo e
preciso.
Os motivos e temas de inspiração são bastante variados. Note-se, porém, que não
fere, com a habitual pieguice sentimental lusitana, a nota amorosa. E isto é
bastante singular; uma ou outra pequena composição com esse carácter lírico foi
quase sempre, de certeza, de inspiração alheia ou a pedido de qualquer moço
amigo.
O que caracteriza a poesia de António
Aleixo é o tom dorido, irónico, um pouco puritano de moralista, com
que aprecia os acontecimentos e as acções dos homens. E, no fundo, muito embora
não seja um revoltado, é a chaga aberta de um sofrimento íntimo, provocado por
certas injustiças, a fonte dos seus desabafos. Com efeito, não pode ser mais
pessoal e mais subtilmente dada a dor de um homem que tem mulher e filhos a
sustentar com o mísero ganho de meia dúzia de cautelas por semana e vê todos os
dias ir morrendo, sem possibilidade de assistência cuidada, uma filha
tuberculosa:
Quem nada tem, nada come;
E ao pé de quem tem comer,
Se alguém disser que tem fome,
Comete um crime, sem querer.
Primavera de 1943
Joaquim Magalhães
(...)
Sem comentários:
Enviar um comentário