7 livros para a quarentena
Lições de vida, de dor e de esperança que vale a pena recordar por estes dias
Esta lista não tem quaisquer pretensões. É uma listinha simples para consumo caseiro e memória futura, com 7 livros que me parecem, ao dia de hoje, boas leituras para a quarentena. Não vou, para variar, aos clássicos distópicos do costume e que adoro, como A Peste de Camus, o Ensaio Sobre a Cegueira de José Saramago ou O Quase Fim de Mundo de Pepetela. As propostas de hoje são mais laterais, falam de otimismo e da falta dele, de liberdade e os seus limites, da qualidade dos políticos que nos regem e do medo, da dor incrustada na pele e dessa coisa da felicidade mesmo em tempos de crise. E para terminar, poesia, porque o poema ensina a cair, já dizia Luiza Neto Jorge. E a levantar também.
Cândido ou o Otimismo, de Voltaire
Uma obra-prima condensada num livrinho de bolso que se devora. Para o perceber, é preciso perceber o contexto histórico: foi escrito por Voltaire no rescaldo do Terramoto de 1755 e é um primor de ironia. Critica a visão do mundo de Leipzig e outros filósofos que teimavam em ver o mundo como a melhor obra possível do Criador. Cândido, que começa com um olhar fofinho e inocente sobre o mundo, que vê como idílico, acaba por ser confrontado com agruras várias que o fazem, digamos assim, cair na real. Perfeito para os que continuam a repetir que vai ficar tudo bem. Não, não vai.
Churchill, de Andrew Roberts
É um cliché, eu sei. Mas se falamos de tempos difíceis, não podemos escapar a Churchill, um estadista exemplar como timoneiro da Segunda Grande Guerra. Um livro que é uma lição de vida sobre resistência, determinação, força e coragem, mas também sobre humanismo, valores e esperança. Para uma versão condensada, “revista e melhorada” e ilustrada, aconselho a última VISÃO Biografia toda dedicada a ele, que chegou agora às bancas. Uma leitura deliciosa.
Medo, de Bob Woodward
E, no extremo oposto, Donald Trump. Esse ser aos comandos de uma nação com 327 milhões de habitantes, tão capacitado para o fazer como a minha filha de seis anos para conduzir um camião. A biografia de Bob Woodward é um tratado sobre o grau máximo de egocêntrismo e incompetência num Presidente – e, como sabemos, há muitos para disputar este título. Pior do que passar por uma pandemia, é fazê-lo num país com líderes deste calibre. É caso para ter medo, tanto medo, do que está a acontecer por ali. São já 327 mil os contagiados nos EUA, com cidades como Nova Iorque já mergulhadas no caos absoluto e no desespero e isto ainda mal começou. (Existe também uma edição portuguesa, da Bertrand)
Liberdade, de Jonathan Franzen
Ah, a liberdade, o que fazer com ela e a falta dela. Neste romance fala-se da liberdade no dia-a-dia, do amor e da existência das famílias, das redes sociais e da forma como se olha o mundo da janela da meia-idade nos dias de hoje. Dilemas sociais, conflitos pessoais e a crise do politicamente correto numa geração cada vez mais conectada, individualista e globalizada, mas nem por isso mais feliz. Acho-o um dos grandes livros do quotidiano, que espelham tão bem a vida pré-Covid tal como ela é, carregadinha de contradições. O que vem a seguir, ninguém sabe ao certo. E o que fazer da liberdade que esperamos reconquistar, também não.
Os Meus Sentimentos, de Dulce Maria Cardoso
Não tem aparentemente nada a ver com uma pandemia ou uma crise, este livrinho, um dos menos conhecidos da maravilhosa Dulce Maria Cardoso (que também é cronista da VISÃO), mas provavelmente aquele que tem a personagem principal mais fascinante. Que nos ensina tanto sobre a decadência moral, a dor e a gestão dela. Sinto-me – não nos sentiremos todos? – como a Violeta, pendurada de cabeça para baixo num carro espatifado, presa só por um cinto de segurança, num instante que se eterniza. “Neste dia que pode ter começado sem mim, sempre cheguei atrasada ao meu futuro, desta vez parece não ser só um atraso, uma coisa mais grave, tenho de me apressar se quero chegar a tempo a um dia onde ainda possa entrar”, pensava Violeta com os seus botões. Quando chegará ele?
Índice Médio de Felicidade, de David Machado
A única maneira de reconhecermos os dias bons é vivermos os dias maus, escreve David Machado esta semana da VISÃO. Ele percebe da poda. O seu livro descreve como poucos o que foi a vida durante a crise da Troika, os apertos e as angústias. E como, frase batida mas verdadeira, a beleza pode estar nas pequenas coisas. Uma felicidade de índice médio não está má. Bem melhor do que a tristeza. Se, como dizia Tolstoi, a tristeza pura é tão impossível como a alegria pura, fiquemos com esta última, digo eu.
Poesias Completas e Dispersos, de Alexandre O’Neill
Leio poesia como quem limpa a cabeça. Saltitar levemente entre versos sabe-me a Spa para a mente. Mas, como nos vinhos e noutras coisas importantes da vida, a qualidade importa muito. Um clássico é um clássico é um clássico. Alexandre O’Neill é do mais suculento e estimulante que temos na poesia portuguesa. Cada verso uma coisa a dizer, cada poema uma ideia nova que nos emociona e acrescenta algo. Como ele dizia, “há palavras que nos beijam, como se tivessem boca. Palavras de amor, de esperança. De imenso amor, de esperança louca”. Falta-nos muita coisa, mas não nos faltem as palavras.
Nota: Grandes cadeias livreiras estão a fazer entregas de livros ao domicílio. Se por acaso lhe apetecer comprar algum, não há desculpas.
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