Não é a decorar matemática que se aprende matemática
Notas na disciplina estão em queda livre. Presidente da Associação de Professores diz que é urgente voltar a um modelo que priviligie a descoberta da matemática ao seu empinanço. «É o futuro do país que está em causa.»
12/05/2017
Texto de Ricardo J. Rodrigues
Fotografia de Leonardo Negrão / Global Imagens
Saiu esta semana um relatório do ministério da Educação que aponta um terço de chumbos a matemática nos alunos do sexto ano. Já no ano passado, mais de metade dos alunos tinham reprovado à disciplina no 9º. Lurdes Figueiral, presidente da Associação de Professores de Matemática, acusa o ministério de Nuno Crato de ter criado um programa que privilegia o decorar à descoberta – e por isso prejudica os alunos. E exige ao atual detentor da pasta, Tiago Brandão Rodrigues, que reponha o modelo de ensino anterior urgentemente.
Esta semana saiu um relatório da Direção Geral das Estatísticas da Educação e da Ciência que aponta 30 por cento de chumbos a matemática nos alunos de 6º ano. É um problema estrutural ou é um sintoma que está a piorar?
Não temos números anteriores, é a primeira vez que temos dados a este nível, por isso torna-se difícil comparar. Mas temos um saber empírico. Estes resultados vieram confirmar as impressões que tínhamos recolhido no terreno, com professores, alunos e pais: que o ano a que se refere este estudo, 2014-15, foi particularmente mau para o ensino da matemática. Porque estes alunos foram os primeiros a ter no 5º e 6º ano o programa para o ensino básico homologado pelo anterior ministro da Educação, Nuno Crato, em 2013.
Acredita então que essa mudança de programa implicou uma degradação no ensino da disciplina?
Repare, em 2007 tinha sido aprovado um programa feito com tempo, muito pensado, elaborado por especialistas nacionais e internacionais, e que estava a entrar no ano de ensino total, ou seja, os alunos do 9º ano seguiam esta fórmula desde o 5º. Havia um Programa de Ação para a Matemática que acompanhava a implementação nas escolas e apoiava os professores. E sentíamos que as coisas estavam a funcionar, que as dificuldades específicas da matemática estavam a ser tratadas da forma mais correta.
O programa de Nuno Crato foi feito à margem da maioria dos estudos e especialistas que se debruçam sobre a didática da matemática. Aposta na aquisição estéril de conteúdos, os alunos têm simplesmente de repetir fórmulas.
A matemática sempre foi considerada uma disciplina difícil. Não é só desde 2013.
A matemática é uma disciplina formal, que envolve abstração, e por isso tem que ter didáticas específicas a cada nível etário, para que as crianças possam compreender esses conceitos. E era isso que estava a ser feito até 2013.
O que mudou então?
Este programa elaborado em 2007 tinha em conta a experiência e a intuição dos alunos, tentava que fossem as crianças a elaborar conjeturas e generalizações para perceberem os conceitos por si e desenvolverem competências matemáticas próprias. O programa de Nuno Crato foi feito à margem da maioria dos estudos e especialistas que se debruçam sobre a didática da matemática. Aposta na aquisição estéril de conteúdos, os alunos têm simplesmente de repetir fórmulas. Eu acredito que não se aprende de forma sequencial e cumulativa. É preciso experimentar e errar para compreender realmente a matemática.
Vamos falar num português de escola. Houve uma substituição da descoberta pelo empinanço, é isso?
É isso, quando antes caminhávamos para um processo de descoberta do aluno agora empina-se matéria. E esse empinanço tem apenas um objetivo: mostrar resultados nos exames. Estas más notas a matemática refletem dificuldades próprias de uma disciplina abstrata, é certo. Mas pioraram muito por causa de um programa que não tem em conta ritmos de aprendizagem. Os alunos com mais dificuldades ficam para trás, os que têm melhores capacidades muitas vezes desmotivam.
É uma normalização pela média?
É uma normalização, sim, mas não quer dizer que a referência seja sempre o aluno médio. O programa é seletivo, privilegia a seleção dos alunos excelentes a matemática. Nós acreditamos que a competência desta disciplina deve ser de todos. É evidente que faz sentido haver provas nacionais no 9º e no 12º ano que regulem o ensino da matemática no país inteiro. Hoje os exames são um instrumento de seleção, não de regulação e certificação.
É o futuro do país que está em jogo. Aniquilar desta forma o ensino da matemática vai ter efeitos durante várias gerações. É preciso reverter este processo imediatamente.
Mas este programa de Nuno Crato não tinha chegado aos alunos do 9º ano, onde mais de metade chumbaram a matemática no ano passado. A média dos exames também foi negativa, 47 por cento.
Veja uma coisa, os exames representam apenas uma parte das notas. Por regra, notas dos exames são mais baixas do que as avaliações do ano. Ora, para uma escola, haver grande diferença entre a nota do exame e da avaliação ao longo do ano não é positivo. Será, se o professor der uma nota mais baixa do que o aluno tem no exame. Mas o contrário não. Então acredito que, face a este novo currículo e método de avaliação, muitos professores foram pressionados pelas escolas para dar notas mais baixas. Isso também é culpa de um sistema que se torna dirigista e está preocupado apenas em analisar quais os alunos que têm potencialidade de sucesso.
Porque é que este governo não voltou ao modelo anterior?
Isso terá de perguntar ao ministro, mas acredito que tenha a ver com o timing político e com a forma como este governo chegou ao poder. No início ninguém acreditava que esta fórmula durasse, não havia credibilidade para mudanças estruturais. Mas as consequências destas medidas para o país são muito graves. É o futuro do país que está em jogo. Aniquilar desta forma o ensino da matemática vai ter efeitos durante várias gerações. É preciso reverter este processo imediatamente. A matemática é a primeira a sofrer com as políticas. Mas é sempre sintoma de um falhanço no sistema educativo.
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