terça-feira, 14 de janeiro de 2020

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Num mundo de doutores e engenheiros, quem tem “soft skills” é rei
Num mundo de doutores e engenheiros, quem tem “soft skills” é rei
Por Human Resources Em 14:37, 3 Jan, 2020
Que o sucesso no mercado de trabalho, seja em ambiente mais corporate, seja em contexto mais de nova economia, não passa apenas pela excelência das notas e das universidades em que se andou, isso já sabemos. Mas que também não depende necessariamente da posse do conhecimento e da inteligência mais brilhante, eis o que é novidade recente.

Diz há já muito tempo o senso comum que para terem sucesso profissional no século XXI os alunos precisam de dominar um conjunto de conhecimentos ligados às disciplinas habitualmente conhecidas como STEM – Ciência (Science no acrónimo original), Tecnologia, Engenharia e Matemática -, assim como será imprescindível que saibam um mínimo de programação informática.
Não deixa por isso de ser curioso que venha do Google, uma das empresas mais identificadas com a abordagem STEM, o desmentido desta ideia – ou pelo menos o comentário de que esse ponto de vista é uma simplificação grosseira das necessidades reais do mercado de trabalho de hoje. Cathy N. Davidson, autora do livro The New Education: How to Revolutionize the University to Prepare Students for a World in Flux, conta que em 2013 o Google decidiu testar os seus critérios de recrutamento, que na filtragem dos candidatos procuravam sobretudo confirmar se eles eram engenheiros informáticos com notas elevadas obtidas em universidades de prestígio na área das ciências.

O Projecto Oxigénio e as sete qualidades-surpresa
A empresa – fundada por Sergey Brin e Larry Page, dois brilhantes (claro) engenheiros informáticos – usou as suas ferramentas de base, os algoritmos, para tratar todos os dados de que dispunha sobre contratações, dispensas e promoções na organização desde 1998. Os resultados da iniciativa, denominada Projecto Oxigénio, concluíram, para surpresa geral, que, na lista das oito qualidades mais importantes dos funcionários de topo do Google, as competências nos domínios STEM vinham em último lugar.
As sete qualidades decisivas eram todas da família dos «soft skills». E são elas: saber ensinar e orientar pessoas; ser bom a comunicar e a ouvir os outros; compreender os colegas e ser capaz de «meter-se na cabeça» deles, incluindo dos que têm valores e pontos de vista diferentes; ter empatia e dar apoio aos companheiros de trabalho; ter pensamento crítico e ser bom a resolver problemas; e, finalmente, ter uma grande capacidade para ver e fazer ligações entre ideias complexas.

Quando a equipa B vence a equipa A
Um estudo conduzido internamente pelo Google e entretanto divulgado, reforça o peso dos “soft skills” mesmo em ambientes científicos. O chamado Projecto Aristóteles, que analisou as principais características das equipas mais criativas e produtivas da empresa, descobriu que as ideias mais importantes e rentáveis vinham das “equipas B”, compostas por elementos que – ao contrário das “equipas A”, formadas pelos engenheiros mais graduados, com o conhecimento mais especializado e a capacidade de lançar as propostas mais vanguardistas – não eram necessariamente os funcionários com as inteligências mais vistosas do grupo.
Eram, isso sim, pessoas a quem um contexto mais amigável, uma cultura de grupo igualmente de elevada exigência mas ao mesmo tempo assente nos “soft skills”, permitia manifestar qualidades antes subestimadas e cumprir um potencial que noutras conjunturas ficaria escondido.

Ter capacidade de aprender é a chave
Escreve Davidson: «Os “STEM skills” são vitais no mundo de hoje, mas a tecnologia, por si só, e como insistia Steve Jobs, não é suficiente. Precisamos cada vez mais de quem tem educação cultural, social e humana, de quem tem formação nas ciências sociais, nas artes, nas humanidades, juntamente com a da informática».
E remata a autora, com um comentário lapidar: «Nenhum estudante deve ser impedido de estudar e se formar na área de que mais gosta, com base em ideias falsas sobre o que é necessário para ter sucesso. Uma capacidade enorme para aprender é a chave para se ter uma carreira longa, produtiva e gratificante».

Falta de flexibilidade e de rapidez de reacção
No que se refere à situação actual, mais concretamente no tópico da adequação da oferta universitária às necessidades da sociedade e da competitiva das empresas, Carlos Mineiro Aires é um pouco mais reservado.
«Apesar do reconhecido esforço que as universidades têm feito para tentar responder a estes desafios, o resultado pretendido ainda não foi atingido, pois quando as excepções são notícia, tal significa que as necessidades persistem. Felizmente que existem casos em que essa adequação é um sucesso». O mesmo vale, na opinião do bastonário da Ordem dos Engenheiros, para a organização do sistema tal como hoje ele existe. «As universidades têm modelos de governação que lhes permitem ter bastante autonomia e sabem onde pretendem chegar. Mas os estrangulamentos financeiros e o facto de qualquer alteração só produzir resultados cinco anos depois – é o caso dos mestrados integrados – acabam por retirar flexibilidade e rapidez de reacção».

A realidade portuguesa
Mais pensamento crítico, mais integração das diferentes áreas do conhecimento. Pelo menos nas visões do futuro, a experiência da economia tecnológica faz parte do caminho a seguir entre nós. Mas haverá mais vida nas universidades portuguesas para além disso, dizem os especialistas.
Transportando esta tendência para a realidade portuguesa, na óptica do serviço que prestam as instituições do ensino superior, Nuno Fernandes, reitor da Católica Lisbon School of Business & Economics e titular da Cátedra Fundação Amélia de Mello, explica o que na sua opinião deve ser a universidade do futuro.
«É uma instituição onde se ensinam e se combinam diferentes tipos de competências – desde as mais analíticas às mais comportamentais – e se preparam os alunos adequadamente para as realidades do mundo global e competitivo, do trabalho futuro, em que máquinas (inteligência artificial) e humanos vão ter que coexistir».
Explica o professor de Finanças: «Desde logo seria fundamental apostar no próprio método de ensino. Seria importante reduzir o peso da componente de memorização. Memorização de conceitos, de definições, datas ou a até a pura aplicação mecânica de fórmulas. Apostaria em menos memorização e maior desenvolvimento de um pensamento crítico, maior abertura para a criatividade e aposta clara na capacidade de resolução de problemas complexos que integrem desde logo diferentes vertentes do saber»
Ainda Nuno Fernandes: «Esta diferente forma de pensar só se consegue se combinarmos várias áreas de conhecimento de forma integrada». A nova filosofia do Google, em suma, não diria melhor.

Mais colaboração na organização dos cursos
Sobre este tema da universidade do futuro, diz Rui Manuel Leão Martinho, bastonário da Ordem dos Economistas: «Vejo a universidade cada vez mais autónoma, criando receitas próprias e colaborando mais estreitamente com as empresas, apostando na inovação e no antecipar de desenvolvimentos futuros da economia de forma a proporcionar aos seus alunos a melhor preparação neste mundo global e cada vez mais competitivo».
O economista prevê depois «uma tendência cada vez maior para as colaborações com universidades estrangeiras na organização dos cursos no sentido de corresponderem às solicitações da sociedade, proporcionando aos alunos oportunidades de empregabilidade cá ou lá fora».
«Maior interligação com o mundo empresarial e maior aderência à realidade que os alunos encontrarão após a formação universitária», defende, como caminho de futuro, o bastonário da Ordem dos Economistas. Isto sem esquecer «a constante actualização a que todos estamos sujeitos e que faz com que a formação e a especialização tenham de ser permanentes».

A universidade será para toda a vida 
Nuno Fernandes concorda e detalha: «No futuro, e na actualidade também, a universidade tem que estar presente na vida dos cidadãos ao longo de toda a sua vida. O conceito de lifelong learning vai ser cada vez mais  fundamental. É impossível pensar que em três ou cinco anos de formação superior ficamos com os conhecimentos e competências para o resto da vida, e que essa primeira abordagem é suficiente para o resto da nossa carreira. Isso poderia ser válido há 30 anos, hoje em dia já não é assim».
Acrescenta o reitor da Católica Lisbon School of Business & Economics: «As novas gerações deverão regularmente voltar à universidade para adquirirem novas competências, mas também para aperfeiçoarem algumas das que já têm desenvolvidas. A universidade do futuro também deve saber integrar de uma forma muito elegante o ensino digital com o ensino presencial. As ferramentas digitais abrem todo um mundo de oportunidades, de flexibilização de currículos, mais experimentais, e permitem uma capacidade de personalização muito grande. Isto porque os nossos estudantes são todos eles diferentes»
E conclui Nuno Fernandes: «Vai ser preciso repensar a forma como os conteúdos são leccionados e que tipo de conteúdos devem ser lecionados em sala de aula».

Uma universidade cada vez mais fora da universidade
Na mesma linha de mudança vai o pensamento de outro bastonário, da Ordem dos Engenheiros, Carlos Mineiro Aires. «No futuro, vejo um ensino bastante diferente. Vejo uma universidade sem limitações comunicacionais e sem presença física, em que a interacção digital tudo proporcionará, mas incontornavelmente apostada na contínua investigação».
Sobre a questão específica do ensino para os engenheiros do futuro, Carlos Mineiro Aires defende uma atenção maior a três pontos. «Foco na resposta aos problemas da competitividade da nossa economia, aposta na formação contínua e nos desafios 4.0, e maior interacção e formação complementar em ambiente empresarial».
Comentando este mesmo assunto mas trazendo-o para o presente, o da organização do ensino superior do ponto de vista da sua utilidade efectiva para os estudantes, Rui Manuel Leão Martinho observa que «as várias universidades e escolas que ministram as ciências económicas têm vindo a adequar progressivamente os seus cursos às necessidades das empresas e da própria sociedade». E para o provar, nota, «aí estão os bons lugares nos rankings de várias dessas universidades»


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As pequenas doenças da eternidade

Ilustração: Susa Monteiro
Era, então, que o seu menino a salvava. Penteava a mãe, dizia ele, para que ela nunca morresse. Nesses cuidados, a vizinha ficava curada das suas pequenas doenças. Mais do que curada: Margarida ficava eterna
Na realidade não há adultos,
Há apenas jovens envelhecidos.
José Emílio Pacheco
Deus me dê a felicidade das pequenas doenças, era o que pedia a nossa vizinha Margarida Maralto. Na penumbra da sala, sentada num desgastado sofá, a senhora tricotava uma camisola de lã, sem saber para qual dos filhos a peça de roupa se destinava. Depois se vê, dizia. É consoante o tamanho em que ficar, acrescentava. Falava como se a obra mandasse nela.
Margarida costurava enquanto Júlio, o mais novo dos filhos, a penteava com uma escova de madrepérola. Júlio era o meu amigo preferido. Uma e outra vez, assisti àquela encenação e vi como, no final, o meu amigo recolhia os cabelos tomados no chão para os erguer de encontro à luz da janela. Cada cabelo brilhava como se fosse um fio de lã tricotando nuvens. Naquele momento, Júlio amarrava no céu os cabelos da mãe.
Margarida Maralto espreitava pela janela, mas não eram nuvens que ela queria ver. Esperava pela chegada do marido. Sabia que ele a estava a trair com outra, algures num quarto da cidade. Margarida tinha os olhos em maré vaza. Mas fazia de conta de que não havia espera, de que não havia marido, de que não havia cidade. E de que ela mesmo deixava de haver. Era, então, que o seu menino a salvava. Penteava a mãe, dizia ele, para que ela nunca morresse. Nesses cuidados, a vizinha ficava curada das suas pequenas doenças. Mais do que curada: Margarida ficava eterna.
Certa vez, Júlio dirigiu-se a mim para que convencesse a sua mãe a não incomodar Deus com as suas disparatadas encomendas. A mãe sorriu, condescendente: a vantagem da pequena enfermidade, explicou ela, é que acontece sem causa nem culpa. Adoecemos porque foi essa a nossa escolha. No falso sofrimento da pequena doença esquecemos as verdadeiras e incuráveis dores com que nascemos e iremos morrer. Outra vantagem: não se gasta em remédios. Para nos curarmos basta o conforto dos outros. E beijava o filho enquanto vaticinava: tivesse ela sucessivas pequenas doenças e seria feliz a vida inteira.
De regresso a casa, eu relatava aos meus pais o que se passara na residência anexa. Não estranhes, sossegava a minha mãe. A vizinha Margarida nascera assim, já era mãe quando viu pela primeira vez a luz. Ainda criança, carregou sozinha nos pequenos braços a infância dos seus irmãos. Por isso, ela agora se devotava tanto aos filhos. Aos sábados, entrava em casa com os braços cheios: vejam meninos, trouxe arrufadas. Anunciava-se como portadora da maior fortuna. Poupara toda a semana e dos seus dedos quiromantes tinham nascido umas tantas moedas. Sentadas na cozinha, a massa das arrufadas presa entre os dentes, as crianças riam-se de coisa nenhuma. E agora que os filhos todos já tinham saído de casa, restava-lhe Júlio com a sua infatigável escova de madrepérola. A minha presença, dizia-me ela à despedida, ajudava-a a varrer a saudade desses ausentes.
Até que um dia se descobriu que Júlio sofria do coração. Uma válvula, disseram. Eu não queria ouvir: doía-me saber que Júlio estava doente. E doía-me mais ainda saber que o coração tem peças. Primeiro, neguei. Havia um erro. O médico não conhecia realmente o meu amigo para lhe diagnosticar um defeito cardíaco. O coração de Júlio era infinito. Aos poucos, porém, o diagnóstico foi ficando verdade. Júlio ria-se sorvendo o ar com pequenos goles. E ficava cansado só de sonhar. Até que a alma se tornou um peso. Incapaz de correr, Júlio abandonou o seu lugar como avançado de centro da nossa equipa. Restou-lhe o papel de árbitro. No primeiro jogo, porém, ele quase desmaiou quando tentou soprar no apito. E nunca mais assinalou nenhuma falta.
Um dia foi a vida quem assinalou falta contra Júlio Maralto. A minha mãe acordou-me cedo e levou-me pela estrada de asfalto que nos conduziu ao cemitério. Os meus dedos cravados nos dedos dela, a mão e a mãe, tão próximos os seres, tão gémeas as palavras.
Contemplei Júlio deitado num caixão e os olhos dele estavam semiabertos, os olhos dele pediam que os salvássemos daquela imobilidade. Nenhum dos adultos sabia corresponder a esse desesperado apelo. Só eu levei para casa aqueles olhos dele, arfantes e semiabertos.
No canto do cemitério, a mãe de Júlio estava sentada numa cadeira e parecia uma rainha, as costas direitas, o olhar suspenso no infinito. As pessoas debruçavam-se sobre ela e dedicavam-lhe o impossível conforto de gestos e palavras. Margarida Maralto permanecia alheia. Quando me aproximei, porém, ela segurou-me no braço e fixou-me longamente para murmurar: agora é que viver já não tem cura. Uma lágrima ameaçava soltar-se no meu rosto quando Margarida deu um jeito nos cabelos e perguntou: estou bem penteada? A minha mãe abraçou-a sem conseguir articular palavra. Foi a vizinha que a consolou: nós sabemos, somos mulheres, quem é morto sempre aparece…
Agora, todas as tardes, vou visitar Margarida, mirrada dentro do vestido negro. Naquele corpo, tão magro e escasso, não cabem nem pequenas nem grandes doenças. Já contei todos os meus ossos, anuncia como um relato dos seus afazeres diários. E conclui: os ossos que traz no corpo são os que bastam, uns para sustentar lembranças, outros para devolver à terra. Contempla os muros como se esperasse que eles florissem e ergue o pescoço para dizer que está pronta. Empunho a escova e penteio os seus cabelos cada dia mais brancos. A vizinha não demora a adormecer. E eu me retiro, pé ante pé, para não interromper as eternidades da vizinha Margarida Maralto.
(Crónica publicada na VISÃO 1399 de 26 de dezembro)

sexta-feira, 20 de dezembro de 2019




Á nossa Grande Poeta, o nosso BEM HAJA.




O tempo que foge das mãos como a água que escorre da fonte não se agarra, esvai-se como o vento! Não tenho tempo, não tenho tempo Diz o homem ao outro! O tempo não chega para tudo Um dia vou, irei, um dia farei… Tempo que ocupas o ar que Respiro, que não passas quando Me aborreço, desespero! Não digam que não têm tempo Partilhem tempo com quem não tem tempo Escutem com tempo quem precisa de tempo Ofereçam tempo a quem não tem tempo Amem e façam-se Amar com Tempo! Boas Festas a todos! Maria, dezembro 2019

terça-feira, 17 de dezembro de 2019

Berta Isla - Javier Marías

CAMÕES

 V CENTENÁRIO DE CAMÕES! CAMÕES, ENGENHO E ARTE! Participa...