Noitadas dos filhos. É a conversar que a gente se entende
O sonho do Afonso é ir “comer um gelado ao Urban”. Aos 12 anos, o mais novo de quatro irmãos não sabe muito bem de que estão a falar quando se referem àquela discoteca de Lisboa – mas sabe que também lá quer ir. Leonor Picão reconhece o discurso, já o ouviu antes por três vezes. “Com o primeiro filho não sabíamos como ia correr, mas agora durmo muito mais descansada”, admite. O João Maria tem agora 22 anos, a Clara 20 e o António Maria (o Tocas, lá em casa) 17. Com intervalos de dois anos e pouco, cada um foi dando os primeiros passos nas saídas à noite. Leonor sempre encarou o assunto abertamente, nunca tentou fugir aos temas difíceis. “O problema dos pais é pensarem que os filhos não vão beber quando saem à noite”, diz.
Leonor até teve “sorte”, a esse respeito. Todos os filhos praticam desporto como federados e têm regularmente provas nas manhãs dos fins-de-semana. São “eles próprios” que gerem as saídas em função das responsabilidades que têm, e “isso reduz muito” as noitadas. A margem de liberdade é larga, é certo, mas isso só está garantido enquanto as coisas correrem bem. Quando há uma saída no horizonte, Leonor espera que sejam os filhos a sugerir uma hora de regresso a casa. A partir daí, negoceiam-se as condições, mas há questões de que a mãe não abdica: o telemóvel tem de estar sempre ligado para qualquer eventualidade. “Está na mão deles fazer com que possamos continuar a confiar”. E eles sabem disso. Saber com quem os filhos vão sair e ficar com o contacto de um dos amigos são outras estratégias de prevenção importantes que o psiquiatra Daniel Sampaio destaca.
Respirar fundo
O regresso a casa no final da noite, o consumo desenfreado de álcool, pegar nos carros depois de beber, sexo inconsequente – perigos não faltam, mas é preciso aprender a “respirar fundo”, porque “os pais são sempre os primeiros a saber quando alguma coisa corre mal”, assegura Daniel Sampaio. No seu consultório nunca faltam pais a pedir-lhe ajuda por não conseguirem lidar com estes problemas dos filhos, típicos da adolescência. É a partir dos 12, 13 anos que a conversa das saídas à noite começa a ser lançada para cima da mesa. Dessa conversa até à prática hão-de passar mais dois, três anos, mas o momento em que o adolescente deve começar a roer o cordão umbilical “depende muito do grau de maturidade e da relação com os pais”, diz Daniel Sampaio. “Sair em confronto com os pais é que nunca deve acontecer”.
A experiência deve ser gradual. Uma coisa são os jantares perto de casa com regresso logo a seguir. Outra, bem diferente, são as “noitadas” prolongadas. “Quando têm 12 anos, os pais podem dizer-lhes que podem ir jantar fora e voltar depois disso e, se tudo correr bem, pode ir-se alargando o período de saída”. Mário Cordeiro sublinha por baixo: “As saídas têm de começar, a dada altura, dado que representam um passo no processo de autonomia e de identidade do adolescente, mas devem ser graduais e controladas”, no sentido em que deve haver “respeito pelo que tiver sido combinado”, defende o pediatra.
Derrapagens nas horas
O problema é quando as coisas não correm da melhor forma. Leonor Picão reconhece que, de vez em quando, há uma mensagem que chega. “Mãe, posso chegar 15 minutos mais tarde?”. Isso não é grave, apesar de fugir ao combinado inicial. Mais complicado é quando os filhos acertam uma hora com os pais e o horário derrapa 30, 45 minutos ou uma hora. Aí, não há como escapar – há que aplicar uma “penalização”, sublinha DanielSampaio. Mas a “proibição” de ir sair com os amigos na oportunidade seguinte não é solução, defende o psiquiatra. “Se chegou meia hora atrasado da última vez, o mais indicado é retirar trinta minutos à hora de chegada da saída seguinte”, considera. É que “esticar a corda” faz parte do processo de “afirmação da identidade e da pessoa”, diz Mário Cordeiro.
Conceitos como a adolescência e o lidar com as regras estabelecidas pelos pais nem sempre andam de mão dada, “mas se virem, da parte dos pais, coerência e consistência, e se perceberem – através de conversas anteriores à saída – que essas regras existem para os protegerem a eles, então os conflitos e as infracções serão menores”, garante o pediatra. O que Leonor nunca tentou foi transformar as saídas à noite num “fruto proibido”. O princípio foi sempre o mesmo: “Não te esqueças de que é a tua cabeça que manda, és tu que decides”, diz de cada vez que o Tocas – ele que está agora numa idade mais “intensa” – se prepara para sair com os amigos.
A mensagem é simples, mas Leonor também sabe que é importante reforçar a ideia, sobretudo quando o filho está numa idade em que quer “fazer boa figura à frente do grupo” e que isso pode a descarrilar para escolhas menos acertadas. “É direito mas também dever dos pais entusiasmarem os filhos no seu percurso de vida e fomentar a autonomia, mas também refrear excessos e prevenir situações que possam ocorrer, mesmo que sejam apenas probabilidades eventuais”, destaca MárioCordeiro.
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