Escrito por Paulo Oom Segunda, 09 Março 2015 | Visto - 1518
Antes da entrada para o 1º ciclo, todas as crianças devem fazer alguns rastreios médicos para despistar eventuais problemas e resolvê-los a tempo.
Hoje, mais do que esperar que alguma doença se manifeste, a atenção da Pediatria está virada para a prevenção. É por isso que existem os rastreios, como formas de identificar pequenas alterações antes que estas se manifestem no dia-a-dia da criança. Desta forma, qualquer problema eventualmente encontrado, pode ser corrigido e evita-se que progrida, o que aconteceria se apenas fosse detetado mais tarde na vida da criança, muitas vezes, já numa fase irreversível. Na criança, alguns rastreios são especialmente importantes antes da entrada para o 1º ciclo. Todos devem ser efetuados por técnicos qualificados e treinados e a criança na qual é detetada alguma alteração deve ser prontamente encaminhada para o médico especialista da respetiva área.
Visão
A maioria das pequenas alterações da visão podem passar despercebidas na vida do dia-a-dia. Só nos casos mais graves os pais ou o pediatra conseguem detetar que algo não está bem e que a criança tem algum problema de visão. Por outro lado, os olhos necessitam de ser estimulados para se desenvolverem e, nos casos em que um dos olhos é menos utilizado pela criança, a tendência é para que seja utilizado cada vez menos, levando a um ciclo vicioso que termina, muitas vezes, em situações irreversíveis, incluindo a perda total de visão de um dos olhos.
A realização do rastreio visual permite detetar estas pequenas alterações para que possam ser corrigidas precocemente e não evoluam para situações mais graves. Cerca de 20 por cento das crianças necessitam de usar óculos antes de completarem dez anos. As alterações da visão podem interferir de forma importante com o rendimento escolar, pois a criança que não vê bem não consegue aprender da mesma forma que os seus companheiros e muitas vezes desinteressa-se da aprendizagem.
➔ Quando deve ser realizado
É muito raro ser a criança a queixar-se de que não consegue ver bem. O rastreio simplificado da visão é efetuado em todas as consultas de rotina pelo pediatra que acompanha a criança, de uma forma adaptada à sua idade. Os pais e educadores são também responsáveis por este rastreio, pois é com eles que a criança passa a maioria do tempo.
Independentemente de tudo isto, a criança deve fazer um rastreio completo da visão, assim que consegue colaborar na realização de alguns testes, o que acontece por volta dos três a quatro anos. Caso o rastreio seja difícil por pouca colaboração da criança, deve ser repetido seis meses depois, para que não fiquem quaisquer dúvidas sobre a sua capacidade visual. Após este rastreio inicial, todas as crianças devem repetir os testes de visão de dois em dois anos.
Algumas crianças necessitam de uma consulta com o oftalmologista antes do rastreio dos três-quatro anos. São exemplos as crianças que:
• foram prematuras;
• estão constantemente a coçar os olhos;
• revelam uma sensibilidade exagerada à luz;
• não são capazes de seguir um objeto com o olhar;
• têm os olhos desalinhados (estrabismo) de forma permanente (em qualquer idade) ou intermitentemente (após os 6 meses);
• têm os olhos sempre vermelhos;
• os olhos estão “sempre a chorar”;
• a pupila (“menina do olho”) é branca em vez de preta;
• existem na família pessoas com problemas de visão graves.
➔ O que pode ser detetado
Na maioria dos casos, não havendo suspeitas dos pais ou educadores e sendo as observações do médico assistente normais, é pouco provável que sejam encontradas alterações importantes durante o rastreio da visão. No entanto, algumas crianças podem apresentar pequenas alterações que passaram até aí despercebidas, entre as quais:
Miopia – a criança tem dificuldade em ver ao longe. Esta situação necessita de correção com óculos.
Hipermetropia – a criança tem dificuldade em ver ao perto. Esta situação tem tendência a corrigir, em parte, com a idade, pelo que se o grau de hipermetropia não for muito acentuado, o médico pode preferir aguardar a evolução e reavaliar a criança um ou dois anos depois. Pelo mesmo motivo, algumas crianças que necessitam de óculos na infância por terem hipermetropia, podem deixar de necessitar desta correção mais tarde.
Astigmatismo – situação em que a curvatura do olho não é completamente regular, mas um pouco mais ovalada. As crianças com este problema veem todos os objetos, próximos ou distantes, ligeiramente distorcidos. O astigmatismo pode ocorrer em simultâneo com a miopia ou a hipermetropia e deve ser corrigido com a utilização de óculos.
Presbiopia – situação também conhecida como “vista cansada”, deve-se a uma dificuldade em adaptar o olho para ver objetos demasiado perto. É um tipo específico de hipermetropia que tende a aparecer com a idade, normalmente a partir dos 40 anos. É muito rara em crianças.
Estrabismo – nesta situação os olhos não se encontram perfeitamente alinhados, sendo que um deles tem tendência a desviar-se, habitualmente para dentro (estrabismo convergente) ou, mais raramente, para fora (estrabismo divergente). O estrabismo convergente é uma situação frequente no bebé até aos seis meses, de forma intermitente, principalmente quando tenta focar objetos muito próximos. Mas depois desta idade, qualquer estrabismo deve ser investigado. Habitualmente o olho desviado tem tendência a tornar-se “preguiçoso”, o que significa que vai perdendo a sua capacidade de visão. O tratamento pode envolver diferentes métodos, incluindo a oclusão (“tapar”) o olho não desviado durante algumas horas por dia, para estimular a visão no olho afetado.
Ambliopia – é a situação mais grave que pode ser detetada, pois significa perda de visão em um ou nos dois olhos, por deficiência no olho ou nas vias visuais que ligam o olho ao cérebro. Pode ocorrer quando uma das situações anteriores não é detetada precocemente (antes dos oito anos) e o olho não é estimulado de forma correta.
Audição
A surdez pode ter efeitos devastadores no desenvolvimento de uma criança pois impede a sua comunicação com o mundo exterior e o desenvolvimento da linguagem, levando ao aparecimento de dificuldades de aprendizagem, desajuste social e emocional e perturbações do comportamento.
A surdez pode ser congénita (estar presente desde o nascimento) ou adquirida (ser consequência de uma doença que ocorre mais tarde na vida da criança). Em cada mil recém-nascidos, um a seis podem sofrer de surdez logo na altura do nascimento, pelo que facilmente se percebe que esta fase da vida representa um momento privilegiado para proceder ao rastreio da audição. No entanto, apesar de a maioria dos casos de surdez congénita poder ser detetado nos primeiros dias de vida, os restantes vão-se desenvolvendo com o tempo e apenas se tornam aparentes mais tarde, pelo que é importante que o rastreio das dificuldades auditivas se prolongue ao longo dos primeiros anos de vida. Para além disso, metade dos casos de surdez podem ser adquiridos, ou seja, não estarem presentes desde o nascimento e surgirem como uma complicação de outra doença, como pode acontecer nas crianças que têm muitas otites, que tiveram uma meningite, sofreram um traumatismo craniano grave ou foram medicadas, em alguma fase da sua vida, com fármacos tóxicos para a audição.
Nos casos mais graves, quando a criança sofre de algum grau de surdez, a dificuldade auditiva é geralmente percebida pelos pais ou educadores, seja diretamente ou porque a criança não consegue realizar com sucesso as suas atividades escolares. Mas nos casos moderados ou ligeiros isso nem sempre acontece, pelo que efetuar o rastreio auditivo por rotina deve ser uma obrigação, de forma a detetar todas as crianças com qualquer grau de défice auditivo.
➔ Quando deve ser realizado
Todos os recém-nascidos devem ser submetidos a um rastreio da audição através de um método designado por Otoemissões. Este rastreio não necessita da colaboração do recém-nascido, que pode mesmo estar a dormir. Atualmente está disponível na maioria das maternidades e permite detetar um grande número de situações de surdez presentes na altura do nascimento. Não é, no entanto, um método infalível pois não deteta todos os tipos de surdez e alguns casos de surdez podem surgir apenas alguns anos mais tarde.
Ao longo das consultas de rotina, efetuadas pelo médico que acompanha a criança, a audição vai sendo analisada por diferentes métodos e, principalmente, através do relato que os pais fazem do dia-a-dia da criança, em casa e na escola. Qualquer dúvida dos pais ou educadores em relação a um eventual problema auditivo deve ser levada muito a sério e investigada de imediato.
Aos quatro anos, todas as crianças devem efetuar um rastreio auditivo por rotina, por um método designado por Audiometria. Com este teste, que envolve a colaboração da criança, qualquer défice auditivo pode ser detetado. Em alguns casos, o rastreio deve ser feito mais precocemente, com a utilização de outro tipo de testes que não necessitam de colaboração da criança. As crianças em que o rastreio deve ser feito mais cedo são aquelas que:
• foram prematuras;
• estiveram internadas numa unidade de cuidados intensivos neonatal após o nascimento;
• têm na família pessoas com problemas de audição na infância;
• apresentam um atraso na aquisição da linguagem;
• estão sempre distraídas;
• têm dificuldades na aprendizagem;
• parecem ouvir só os sons mais intensos e mostram interesse em subir o som da televisão, não respondem quando chamadas ou falam demasiado alto;
• tiveram muitas otites;
• tiveram uma meningite bacteriana;
➔ O que pode ser detetado
Um eventual problema de audição pode ser detetado e classificado de acordo com as seguintes características:
• afeta um ou os dois ouvidos;
• a causa está no ouvido em si, no nervo da audição ou na zona do cérebro que comanda a audição. Consoante a zona envolvida o prognóstico é diferente e as medidas de tratamento ao dispor, igualmente diferentes;
• grau ligeiro, moderado ou grave. O grau de deficiência é expresso em decibéis (dB), que representa a medida da intensidade de um som. Uma perda de acuidade auditiva até 20 dB pode ser considerada normal. A partir de 20 dB a perda auditiva é considerada ligeira. Uma perda superior, a 40 dB é classificada como moderada e acima de 70 dB como grave.
Qualquer perda de audição superior a 20 dB deve ser completamente investigada, e o tratamento correto iniciado de imediato, de forma a minimizar as suas consequências e permitir à criança uma vida normal e um desempenho escolar adequado.
Dentário
A cárie dentária é uma das doenças infeciosas mais frequentes nas crianças e adolescentes. As estimativas são de que é cerca de cinco vezes mais frequente que a asma ou sete vezes mais frequente que a rinite. Em Portugal, cerca de dois terços das crianças com seis anos têm cárie dentária e aos 12 anos uma criança tem, em média, cerca de três dentes cariados, perdidos ou obturados.
A cárie dentária provoca dor e desconforto e, se não tratada, a perda do dente, de leite ou definitivo, com consequências não só ao nível da mastigação mas igualmente na aprendizagem da fala. Para além disso, a perda de dentes de leite permite que outros dentes ocupem espaços indevidos contribuindo para uma dentição definitiva em que os dentes estão mal posicionados, com as respetivas consequências estéticas, diminuindo a imagem que a criança ou adolescente tem de si mesmo e a sua autoconfiança.
Se bem que o rastreio dentário tenha um papel importante na deteção deste problema, a educação da criança deve ser orientada para os aspetos preventivos incluindo a escovagem diária dos dentes com uma escova e pasta dentífrica adequadas e hábitos alimentares saudáveis com evicção de açúcares fora das refeições.
➔ Quando deve ser realizado
A inspeção dos dentes deve ser realizada pelo médico que habitualmente assiste a criança, desde a erupção do primeiro incisivo, cerca dos seis meses. O rastreio formal da dentição deve ser realizado por volta dos três anos, altura em que está completa a dentição de leite (20 dentes). Em determinadas situações, em que o risco de desenvolvimento de cárie dentária é elevado, o rastreio deve ser antecipado, podendo ser realizado ainda antes da criança completar um ano de idade. Cabe ao médico assistente da criança determinar se o rastreio deve ou não ser antecipado. São razões para antecipar o rastreio, o facto de a criança:
• não efetuar a escovagem ou esta ser ineficaz;
• não usar pasta com a quantidade recomendada de flúor;
• ingerir com frequência alimentos açucarados, principalmente entre as refeições;
• beber leite à noite e não lavar os dentes de seguida;
• apresentar lesões ativas de cárie, obturações ou extrações devidas a cárie;
• ter um pai ou mãe com elevada incidência de cárie dentária;
• pertencer a um nível socioeconómico baixo;
• ser portadora de uma deficiência física ou mental;
• ingerir de forma prolongada medicamentos capazes de favorecer a cárie;
• ter uma doença (física ou mental) crónica.
➔ O que pode ser encontrado
O objetivo fundamental do rastreio dentário é a deteção precoce de sinais de cárie dentária com vista ao seu tratamento. Para além deste propósito, o rastreio é aproveitado para rever com a criança os princípios básicos dos cuidados a ter com os dentes, incluindo a sua limpeza e quais os hábitos alimentares mais saudáveis. Nas crianças com risco elevado de cárie podem ser colocados selantes de fissuras ou aplicado verniz de flúor, que conferem uma proteção adicional.
Pré-competências académicas
Um número razoável de crianças apresenta algumas dificuldades de aprendizagem, ainda no período pré-escolar. Estas dificuldades podem revestir diferentes aspetos como estarem relacionadas com perturbações globais da cognição, dificuldades da linguagem, no reconhecimento das letras ou de números ou da capacidade de atenção e concentração. O rastreio das pré-competências académicas consiste numa avaliação para despiste de eventuais dificuldades que possam perturbar o desempenho escolar no início do 1º ano do ciclo básico. Este rastreio deve ser efetuado por profissionais experientes nesta área e deve ser sempre complementado com as opiniões de pais e educadores, que lidam com a criança no dia-a-dia.
➔ Quando deve ser realizado
Deve ser realizado a crianças entre os cinco e os seis anos, sempre antes da entrada para o 1º ano do ciclo básico (idealmente, entre janeiro e abril do ano de entrada para o 1º ciclo, ou seja, quando a criança frequenta ainda o ensino pré-escolar). O rastreio deve ser realizado por um técnico com experiência nesta área e que compreenda bem as variações possíveis no desenvolvimento infantil ao longo da vida. Idealmente deverá ser executado por um Técnico Superior de Educação Especial e Reabilitação, a pedido do médico assistente, pediatra, pais ou educadora.
➔ O que pode ser encontrado
Durante o rastreio são avaliadas diferentes áreas, nomeadamente:
Atenção e concentração, necessárias para que qualquer aprendizagem seja eficaz. Durante esta fase, são testadas a capacidade de concentração, persistência nas tarefas e grau de desatenção. Esta avaliação é realizada de forma informal, por observação direta pelo técnico e está relacionada com a aprendizagem de uma forma geral.
Cognição não verbal, também relacionada com a aprendizagem em geral, incluindo a avaliação da reprodução de padrões e a coordenação visual-motora ou olho-mão.
Linguagem, incluindo a linguagem expressiva (fala e vocabulário) e a linguagem recetiva (capacidade da criança em entender aquilo que lhe é dito). Esta avaliação inclui uma apreciação da riqueza do vocabulário bem como da compreensão e o completamento de frases.
Atividades de pré-leitura, incluindo a avaliação da nomeação das letras, direcionalidade da leitura e conceitos de letra, palavra, frase, título e texto. A familiaridade com as letras é fundamental para a futura aprendizagem da leitura e da escrita.
Atividades de pré-escrita, incluindo a escrita de algumas letras e do nome, a direcionalidade da escrita e a grafomotricidade. Todos estes conceitos, se presentes, irão facilitar a aprendizagem da leitura e da escrita.
Atividades de pré-aritmética, incluindo o conhecimento dos números e a sua escrita. São igualmente avaliadas a contagem e a correspondência número-quantidade. Estes conceitos estão relacionados com a futura aprendizagem do cálculo aritmético.
Memória auditiva, incluindo a memória de números, de palavras ou de frases, indispensáveis para a aprendizagem da leitura, da escrita e da aritmética.
Consciência fonológica, incluindo a discriminação auditiva e a consciência da sílaba e da rima, também relacionadas com a aprendizagem da leitura e da escrita.
Com a realização deste rastreio podem ser encontradas dificuldades em uma ou mais competências, que poderão ser atenuadas ou corrigidas ainda antes da entrada no 1º ano do ciclo básico mediante a realização de atividades ou exercícios específicos a realizar em casa ou na escola. Noutros casos, as dificuldades poderão ser comunicadas à escola para que a criança seja alvo de uma atenção especial, no início do 1º ano do ensino básico, de forma a conseguir ultrapassar mais facilmente qualquer obstáculo. Nos casos mais problemáticos, pode ser ponderado o adiamento da entrada no ciclo básico. Este facto observa-se principalmente para crianças nascidas entre setembro e dezembro, que podem possuir um menor grau de maturação em relação às restantes crianças do mesmo ano letivo.
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